Você vai ler um conto de enigma. Atenção aos detalhes: são eles que ajudam a desvendar o mistério.
O incrível enigma do galinheiro
Isso aconteceu numa época em que o grande detetive Sherlock Holmes estava aposentado e um tanto esquecido. Em Londres, onde morava, ninguém mais o chamava para elucidar mistérios. Conformava-se dizendo: não se fazem mais bandidos como antigamente.
Meu tio Clarimundo, leitor das aventuras de Sherlock, foi quem decidiu contratá-lo. Mas que não trouxesse seu secretário doutor Watson, que só servia para ouvir no final de cada caso a mesma frase: “Elementar, Watson”.
— Mas se trata dum caso tão insignificante — protestou mamãe.
— Insignificante? Esse enigma está nos pondo malucos.
Alguém andava assaltando nosso galinheiro. A cada dia sumia uma galinha. Quem faria isso estando a casa cercada de paredes de imensos edifícios? Não havia muro para saltar. Nem grades para pular. E na casa só morávamos eu, meus pais, tio Clarimundo e Noca, a velha empregada. Um enigma muito enigmático, sim.
Sherlock Holmes chegou e hospedou-se no quarto dos fundos. Ele, seu boné xadrez, seu cachimbo, lógico, e mais logicamente sua lupa, que aumentava tudo. Chegou anunciando:
— Chamarei esta aventura "O caso das galinhas desaparecidas". Ou ficaria melhor "O incrível enigma do galinheiro"?
— Ambos são bons, mas...
— Na maior parte das vezes o culpado é o mordomo — informou Sherlock. — Onde está o suspeito?
— Não temos mordomo — lamentou tio Clarimundo.
— Então me levem à cena do crime.
Levamos Sherlock ao quintal, pequeno e espremido entre os prédios. Ele tirou a lupa do bolso. Um palito ou folha de árvore, examinava concentradamente. Depois, tomava notas num caderno. Mas, como a viagem o cansara, foi dormir cedo. Na manhã seguinte minha mãe acordou-o com uma informação:
— Sumiu outra galinha.
— Esta noite dormirei no galinheiro.
E dormiu mesmo, sentado numa poltrona. Desta vez eu que o acordei.
— Mister Holmes, roubaram mais uma galinha. A notícia fez com que se decidisse:
— A história se chamará mesmo "O incrível enigma do galinheiro".
— Não estamos preocupados com títulos — rebateu meu tio.
— Mas meu editor está.
Nesse dia consegui ler o caderno de anotações do detetive. Li: nada, nada, nada. Um nada em cada página. Organizado, não? Também nesse dia Sherlock telefonou a Londres para trocar impressões com o fiel doutor Watson. Uma fortuninha em chamados internacionais.
E as galinhas continuavam desaparecendo, apesar de Sherlock Holmes dormir no galinheiro. Ele já andava falando sozinho.
— Nem sinal de gato, cachorro, raposa, gambá. Todo o meu prestígio está em jogo.
Por fim restou apenas uma galinha.
À hora do almoço o famoso detetive, sentindo-se velho e fracassado, sofreu uma crise, chorando na frente de todos. Nós nos comovemos muito com a situação. Um homem daqueles derramar lágrimas... Noca, então, deu um passo à frente e confessou:
— Eu que roubava as galinhas. Dava às famílias pobres duma favela. Sherlock enxugou imediatamente as lágrimas na manga do paletó.
— Já sabia. Fingi chorar para que ela confessasse.
— Então desconfiava de Noca? — perguntou tio Clarimundo.
— Encontrei penas de galinha no quarto dela. Elementar, Clarimundo. E o que dizem de comermos a penosa que resta no galinheiro?
Não sei se foi escrito "O incrível enigma do galinheiro". Se foi, pobres leitores. Na verdade eu que roubava as galinhas para dar aos favelados. Inclusive quando o detetive dormia no galinheiro. Noca sabia disso e assumiu a culpa em meu lugar.
Elementar, mister Sherlock Holmes.
Marcos Rey. Em Vice-versa ao contrário. Org. Heloísa Prieto.
São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1993.
Os elementos que compõem o conto de enigma são:
• Enigma – o mistério;
• Vítima – o prejudicado pela sua ação ilegal;
• Culpado – aquele que atinge a vítima;
• Detetive – agente de investigação;
• Pistas – sinais que auxiliam na investigação;
• Solução do enigma – o mistério é desfeito.
Saiba mais...
SHERLOCK HOLMES
O famoso detetive Sherlock Holmes, embora de tão familiar pareça pertencer ao mundo real, é na verdade um personagem fictício gerado pela mente do médico e escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle. Ele nasceu no interior da trama do livro Um Estudo em Vermelho, lançado de forma inédita pela revista Beeton’s Christmas Annual, em 1887.
Este personagem singular conquistou o coração de leitores do mundo todo, independente de idade ou nacionalidade. Seus leitores se encantaram com sua personalidade enigmática desde o início. Talvez por isso ele tenha se transformado na criação literária mais adaptada para o cinema, a televisão, os quadrinhos, e também a mais pesquisada e investigada por inúmeros estudiosos.
Doutor Watson, seu assessor, é igualmente conhecido por todos, especialmente pela frase que se tornou mundialmente conhecida – “elementar, meu caro Watson” -, repetida exaustivamente por Sherlock Holmes. Este aprendiz de detetive é quem narra boa parte das histórias vivenciadas por seu mestre.
Embora seja versado nas mais diversas esferas do conhecimento, Holmes atua de forma genial, quase como um computador radicalmente avançado, no campo criminal. Ele decifra crimes como nenhum outro é capaz, a ponto desta atividade se tornar essencial para sua sobrevivência
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